COMO CRESCER SEM ATERRAR BANHADOS NEM DESFIGURAR A CIDADE

07/08/2013 19:54

O objetivo deste artigo é apresentar ideias para contribuam para pensar na questão expressa no título. É sempre importante reforçar que os banhados são importantes. Essas áreas quase permanentemente alagadas, que são consideradas áreas de preservação permanente pela legislação (APPs), retém as águas de chuva quando as marés cheias impedem que elas vazem para o mar, diminuindo as inundações nas áreas habitadas. Bem, há ainda outras funções ecológicas dos banhados e várias leis que os protegem, sendo de enorme interesse público a preservação dos mesmos.

Em Garopaba há outras áreas de preservação permanente com funções ecológicas importantes para a preservação ambiental, tais como terço superior de morros, dunas e matas ciliares. Claro que muita ocupação já se realizou em áreas de preservação permanente (criadas pelo Código Florestal de 1965), porém em outras épocas, em outros contextos, de menos crise ambiental e menos democracia. Ser proprietário de uma tal área significa ter que se submeter ao princípio da responsabilidade social da propriedade e aceitar que o interesse do coletivo se sobrepõe ao interesse individual.

A ideia de desfigurar a cidade abre margem para as mais diversas visões. A nossa é que praias com dunas preservadas, as lagoas, os banhados, águas limpas e áreas de morro com mata e cachoeiras são marcas registradas deste município, quase raras no litoral brasileiro hoje. Perder essas características seria desfigurar a cidade.

As áreas de preservação permanente (APPs) nos dizem quais áreas não devem ser habitadas.  E as áreas habitáveis? Como ordenar sua ocupação dentro de uma visão de sustentabilidade socioambiental? Atualmente a legislação válida de Garopaba permite construir edifícios de até dois andares e existe uma forte demanda de alguns setores por discutir a ampliação do número de andares.

Construir mais andares não é em si algo positivo ou negativo, tudo depende dos critérios do ordenamento territorial da cidade. É desejável que um edifício condene seus vizinhos a viver em eterna sombra? Que crie corredores de ventos uivantes?  Que a densidade populacional gere problemas de trânsito?

Há pelo menos quatro aspectos importantes para se observar no planejamento urbano que inclua edificações com mais de dois andares:

1) Permeabilidade do solo:  é necessário haver áreas não pavimentadas nos terrenos e nos bairros para garantir uma taxa satisfatória de  infiltração da água da chuva no solo para evitar alagamentos e abastecer lençol freático com água doce. O Plano Diretor de Garopaba prevê taxas de ocupação dos terrenos até o máximo de 50%, o que é bastante satisfatório. Se tratando de edifícios com mais andares, há que se discutir a taxa de ocupação dos terrenos que permitam recuos adequados para que o edifício não impacte o seu entorno. Quanto mais andares, mais recuos e mais áreas verdes, numa proporção que deve ser arquitetonicamente determinada. As edificações também devem captar água da chuva, tal como vários municípios brasileiros já determinam. Telhados verdes também são uma excelente alternativa.

2) Áreas Verdes: a  existência dessas áreas não edificadas nem pavimentadas possibilita a presença de vegetação de portes variados, garantindo frescor, unidade, proteção contra vento, sol, purificação do ar e, por fim, o efeito psicológico tranquilizante proporcionado pelo contato com a vegetação e fauna a ela associada. Além das áreas verdes em cada propriedade, o que nossa cidade necessita urgentemente é garantir a delimitação de áreas verdes públicas, que seriam pequenos parques e praças destinados ao lazer da população. Afinal, quando falamos de equilíbrio ambiental, nos referimos também ao ambiente interno das pessoas, da saúde psicológica.

3) Contaminação ambiental: os resíduos líquidos e sólidos gerados pela população devem ter destino correto, que é a reciclagem dos resíduos sólidos e compostagem dos resíduos orgânicos, de modo  a não se transformarem em lixo e poluição. Permitir o crescimento de uma cidade sem haver coleta seletiva significa jogar lixo no quintal de municípios vizinhos. Garopaba estará implantando sistema de tratamento de esgotos e aqui há um aspecto muito importante para evitar que o efluente venha a contaminar o ambiente: quanto menos quantidade de efluente, mais eficiente será o tratamento, comportará mais usuários e mais barato será para nossos bolsos. A situação ideal seria apenas a água de vasos sanitários ser enviada para a estação de tratamento e a chamada água cinza (proveniente de pias, chuveiros e tanques) ser utilizada nos próprios terrenos: em sistemas de irrigação, direcionadas para círculo de bananeiras ou zonas de raízes, as quais, ao contrário do que muitos creem, não demandam muito espaço dos terrenos.

4) Trânsito: a aglomeração de pessoas que utilizam automóveis e o efeito disso sobre o tempo de deslocamento e sobre a poluição atmosférica  deve ser estudado por pessoas especializadas e essa informação apresentada para a população de Garopaba para que possamos decidir em qual cenário queremos viver. 

Enfim, essas são ideias que precisamos discutir em audiências públicas, que devem ser chamadas pelo poder público municipal, que é a forma legal para se fazer qualquer alteração na lei do Plano Diretor. Enfatizamos que as alterações no Plano Diretor de 2010 que foram feitas em Garopaba sem seguir este procedimento foram invalidades pela decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina por 25 votos a zero, graças a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida por associações deste município, que exigem que as regras democráticas sejam respeitadas.

Uma última palavra sobre o crescimento da cidade. É através dos planos diretores que os municípios ordenam a ocupação do solo para garantir qualidade de vida, segurança, urbanidade, justiça, enfim, vários princípios expressados pela Lei do Plano Diretor (Leis 1463 e 1465 de 2010).  A quantidade de habitantes resulta dos acordos que são construídos, desejavelmente através de ampla participação popular, ao longo da história.

 Sobre Riscos Ambientais e o Banhado da Palhocinha

Os maiores riscos em Garopaba estão diretamente relacionados a ocupação urbana em áreas de risco a alagamento, enchente, inundação e escorregamento, somados a falta de saneamento básico.

Entre os fatores de impacto, destacamos a expansão urbana em áreas classificadas como impróprias ao uso e ocupação do solo, como o banhado da Palhocinha. Os impactos observados são a alteração dos ecossistemas e da dinâmica hidrológica e, ainda, um cenário de risco geológico, diminuição da biodiversidade e perda da qualidade de vida da população (poluição da água, do ar, visual e do solo).

Nos últimos anos, próximo às nascentes do Rio do Cano, Rio Palhocinha e Rio Linhares foram registrados processos de terraplanagem (aterro) criminosos sobre as áreas de preservação permanente, feitos sem quaisquer critérios técnicos de engenharia destinada à ocupação urbana.

Inevitavelmente estes fatos promovem a degradação da cobertura vegetal, assoreamento dos cursos de água e a probabilidade de contaminação do lençol freático da planície comprometendo os ecossistemas e a população. O descumprimento da legislação ambiental, a falta de planejamento integrado e a especulação imobiliária são os principais fatores que proporcionam a formação deste cenário.

 

Legislação relativa à preservação ambiental:

Lei 4.771 de 15 de setembro de 1965; institui o Código Florestal;

Convenção Internacional de RAMSAR, que estabelece a importância das zonas úmidas

(1971);

Lei n° 9.605. de 12 de fevereiro de 1998, Lei de Crimes Ambientais;

Resolução do CONAMA 303, 20 de março de 2002 dispõe sobre parâmetros, definições

e limites de Áreas de Preservação Permanente;

Lei Federal n° 7.661, institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá outras

providências;

Resolução do CONAMA 261 de junho de 1999, que define a vegetação restinga;

Lei 11.428, 22 de setembro de 2002, que dispõe sobre a utilização e proteção da

vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, e dá outras providências;

Resolução do CONAMA 417 de 2009, que dispõe sobre parâmetros básicos para

definição de vegetação primária e dos estágios sucessionais secundários da vegetação

de Restinga na Mata Atlântica e dá outras providências.

Decreto 6660/08 | Decreto Nº 6.660, de 21 de novembro de 2008 regulamenta

sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica;

Resolução do CONAMA nº 9, de 24 de outubro de 1996, que define “corredor de

vegetação entre remanescentes” como área de trânsito para a fauna.